Ano-novo

“Meia-noite. Fim
de um ano, início
de outro. Olho o céu:
nenhum indício

Olho o céu:
o abismo vence o
olhar. O mesmo
espantoso silêncio

da Via Láctea feito
um ectoplasma
sobre a minha cabeça:
nada ali indica
que um novo ano começa.

E não começa
nem no céu nem no chão
do planeta:
começa no coração.

Começa como a esperança
de vida melhor
que entre os astros
não se escuta
nem se vê
nem pode haver:
que isso é coisa de homem
esse bicho
       estelar
       que sonha
       (e luta).”

Ferreira Gullar, em Barulhos (1980-1987)